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sábado, 23 de abril de 2016

Enfrentamento

Anás interroga a Jesus

João 18:19-24 (RA Strong's)
Então, o sumo sacerdote interrogou a Jesus acerca dos seus discípulos e da sua doutrina. Declarou-lhe Jesus: Eu tenho falado francamente ao mundo; ensinei continuamente tanto nas sinagogas como no templo, onde todos os judeus se reúnem, e nada disse em oculto. Por que me interrogas? Pergunta aos que ouviram o que lhes falei; bem sabem eles o que eu disse. Dizendo ele isto, um dos guardas que ali estavam deu uma bofetada em Jesus, dizendo: É assim que falas ao sumo sacerdote? Replicou-lhe Jesus: Se falei mal, dá testemunho do mal; mas, se falei bem, por que me feres? Então, Anás o enviou, manietado, à presença de Caifás, o sumo sacerdote.
Os soldados, que prenderam Jesus, o levaram primeiro à casa de Anás.

Anás era um corrupto que se vendeu aos romanos para garantir a subserviência de Israel.

Anás foi sumo sacerdote por imposição romana, comandou o Templo por 21 anos, quando, então, foi deposto, depois de um breve período em que alguém que não era de sua família assumiu o seu lugar, ainda que sob a àguia romana; Anás retomou o seu prestígio e cada um de seus cinco filhos, um neto e, finalmente, seu genro, Caifás, exerceram o sumo sacerdócio.

A rigor, Jesus não tinha de estar lá, Anás, agora, não era nada além de sogro do sumo-sacerdote, mas, de fato, ele, por meio de manobras tenebrosas, foi quem garantiu para os seus filhos, neto e genro, o supremo ofício, assim, passou a determinar os passos de todos os sumos-sacerdotes, entre os seus, após ele. Anás se tornou a eminência parda do sumo sacerdócio em Israel.

João, como Lucas (3.1,2), denuncia esse golpe, ao chamar de sumo sacerdote, no poder, tanto Anás como Caifás.

Jesus não reconheceu a Anás como sumo sacerdote e se recusou a responder as suas perguntas. Jesus já havia enfrentado Anás, quando expulsou os vendilhões do Templo que, segundo Hendriksen, eram a provável fonte da grande riqueza da família de Anás (comentário de João 18.13, páginas 801, 802 - Comentário do Novo Testamento - Editora Cultura Cristã).

As palavras de Jesus foram provocadoras e denunciadoras: disse que tinha o povo como testemunha, porque falará em lugares públicos, portanto, se Anás quisesse saber qualquer coisa de Jesus, que recorresse ao povo - Jesus demonstrava saber que Anás jamais recorreria ao povo, até porque havia um sério questionamento popular acerca de sua interferência; Jesus, também, questiona-o como interrogador, denunciando seu abuso e usurpação de poder, não reconhecendo, portanto, nenhuma autoridade a Anás. Jesus se recusa a cooperar com o golpista e com a manutenção do estado de golpismo.

Segundo Hendriksen, Anás tinha, na prática, mais poder que Caifás.

Diante da declaração de Jesus de Nazaré, por seu aparente desrespeito ao pretenso sumo sacerdote, um soldado o esbofeteia; Jesus não se dobra à violência, questiona o soldado, exige que se prove onde ele teria errado ou praticado o mal, ou cometido crime, e mais, denuncia a violência do soldado a serviço do desvirtuamento da instituição sacerdotal.

Frente à recusa de Jesus em cooperar com o golpismo, Anás o envia para o sumo sacerdote Caifás, que, apesar de toda a história pregressa, por anuência do povo, que o reconhece, está sumo sacerdote em Israel. 

Ainda que Deus não estivesse mais no templo, mas, no deserto, como disse João, o Batista (Jo 1.23), Jesus mantém a lógica institucional. Caifás, no entanto, coerente com a forma como chegou ao poder, iria desrespeitar, mais uma vez, a instituição que deveria defender.

Jesus estava para o sacrifício (Jo 10.17,18; Mc 10.33,34), parece que isso deveria relativizar tudo, contanto que ele cumprisse a sua missão, não importando como isso viesse a acontecer. Jesus, entretanto, não concordou com essa lógica, ele se recusou a submeter-se ao desvio da instucionalidade.

Jesus, mais uma vez, retoma a postura de enfrentamento, a mesma que usara quando da derrubada das mesas dos cambistas no pátio dos gentios.

Quando falamos em propagação do evangelho, geralmente, nos referimos à proclamação e às boas obras, há, entretanto, um outro movimento de pregação, o enfrentamento - que participa da lógica do sacrifício.

No enfrentamento, em nome do Senhor, denunciamos, com palavras e atos, o mal nas instituições e na história.

A necessidade de enfrentamento acontece em situações onde os sermões precisam ser seguidos de atos de denúncia e de protesto, como o fez o Senhor Jesus, mesmo quando em estado de subjugação pela força.

A Igreja do Cristo não é mera espectadora da história, até porque o cumprimento da sua missão exige interação com a humanidade no seus vários contextos. Jesus de Nazaré cumpriu a sua missão por meio da proclamação, das boas obras e do enfrentamento - parte do pressuposto do sacrifício. 

O exemplo de Jesus de Nazaré, o Cristo, é um chamamento (Mt 20.27,28; Jo 13.15).

Os pastores Dietrich Bonhoeffer, luterano, na Alemanha Nazista; Martin Luther King, batista, nos Estados Unidos da América, capitalista e segregacionista; Lászlo Tökés, metodista, na Romênia Comunista, assim como os profetas que o antecederam, nas suas respectivas realidades, entenderam a chamada do Cristo ao enfrentamento, por coerência à disposição ao sacrifício.