Mais uma vez Deus se adianta à história humana: Ele sabe o
que vai acontecer!
Mas, desta vez, a onisciência, que comunicou a forma, para
evitar que o mal impedisse o avanço da história da salvação, agora, comunica o
absurdo e a dor.
No texto, a nação de Israel, representada pela alusão à
Raquel, esposa amada por Jacó, como a mãe da nação, é avisada do choro
inconsolável.
Por que o Todo-poderoso nos informa da angústia, em vez de,
simplesmente, impedi-la?
Por que tantos não culpados são abatidos pela maldade? O que
acontece?
Antes da humanidade romper com a Trindade, viver, se o fruto
da árvore da Vida fosse digerido, era para ser um fim em si mesmo. Viver viria
a ser manifestar a imagem de Deus, para a glória de Deus. Nasceríamos para
expressar Deus, e, portanto, para viver todo o crescimento e aventura que o
conceito encerrava.
Depois da queda, viver passou a ser um meio; não é mais um
fim em si mesmo.
Depois da queda, nasceríamos para morrer, e sem nenhuma garantia
ou previsão, sobre quanto tempo viveríamos. A morte estaria, desde o
nascimento, em nós e fora de nós. A morte, que é sempre uma tragédia, é a
inimiga que passaríamos a enfrentar diariamente.
A vida, após a queda, é um ambiente de sofrimento!
A vida, após a queda, é, de fato, o meio no qual Deus
alcança os seres humanos, é o ambiente onde a salvação, em relação ao que a
queda provocou, é oferecida; e, se recebida, a salvação inocula, no salvo, a
vida que é um fim em si, cuja plenitude se dará na ressurreição do corpo.
Portanto, no que chamamos de nossa história de vida,
enfrentamos e sofremos a maldade que, graças à nossa ruptura com o Deus do
Universo, passou a fazer parte de nossa realidade, porque a maldade se tornou o
princípio ativo da natureza humana.
Enfrentamos a maldade em nós, na realidade manipulada pelas
mãos humanas, e naqueles que não enfrentaram a maldade em si.
A Trindade foi a primeira a ser atingida pela realidade da
maldade, porque a Bíblia diz, que o sangue do Filho é conhecido, e efetivo,
desde antes da fundação do mundo (1Pe 1.19-20).
Antes de tudo, e para que tudo pudesse existir, o Filho
assumiu a cruz para enfrentar e vencer a maldade, que viria a ser a tônica da humanidade. E, graças a esse sacrifício,
manifesto, na história, no Calvário, a Trindade pôde criar, manter e resgatar a
sua criação. E, por isso, pôde, nesse ambiente, emprestar parte de sua bondade,
para que a maldade não fosse o único tom da nossa vivência (At 14.17).
Esse sacrifício da Trindade, por meio do Filho, é uma ação
do Deus, por sua graça. Esse ato divino, por sua graça, garante que a vida
voltará a ser um fim em si mesma, isto é, voltará a ser o exercício da
expressão da imagem do Deus.
Entretanto, enquanto o final não chega, sofreremos e enfrentaremos
a maldade, que, por nossa queda, trouxemos à realidade.
A maldade não conseguiu, nem conseguirá interromper a
história da salvação, o que era o seu objetivo; mas, sempre cobrará vítimas. Isto
se tornou parte da condição humana. Muito inocente tombou até que o Cristo
viesse, e muito inocente ainda tombará até que o Cristo volte.
Certo é, que, nenhum, dos que tombaram ou tombarão, viveu ou
viverá em vão; ainda que tenha morrido, ou venha a morrer precocemente.
E o que foi e será vitimado pela maldade, de alguma forma,
faz parte de todo o gemido da criação pela salvação da humanidade, pela
redenção cósmica do Cristo (Rm 8.22).
Não quer dizer que a morte do inocente tenha sido
necessária; ou que a vítima tenha sido salva por perecer de tal morte, pois, só
o sacrifício do Cristo salva o ser humano. Quer dizer que o desfecho, de sua
vida, teve a ver com tudo o que aconteceu na história da busca divina pelo que
se havia perdido; porque fez parte do enfrentamento da maldade, capitaneado
pelo Cristo.
A maldade, em nós, é, portanto, fruto do mau uso do arbítrio
humano. A maldade é o ônus da humanidade em estado de queda.
O ato mau é consequência do livre curso da maldade.
Em cada um de nós, a maldade deve ser detida pela bondade
que Deus, por sua graça, para garantir sobrevida à humanidade, nos emprestou;
enquanto Deus faz avançar a historia da salvação, que culminará em novos céus e
nova terra, onde habita a justiça.
Na sociedade, os homens bons devem enfrentar os homens maus.
O efeito da maldade, a partir do ato humano, é proporcional ao poder permitido
a este ser humano.
A Trindade não veio a nós para deter os homens maus, mas,
para erradicar a maldade no ser humano, por meio do novo nascimento.
Enquanto a maldade não for erradicada da humanidade, homens
bons e homens maus se defrontarão, quando os homens maus vencem, a injustiça
prospera, quando os homens bons vencem, o que prospera é a justiça.
Homens bons não são pessoas destituídas da maldade, nem
gente que não precise nascer de novo, mas, seres humanos que, por causa da deferência
de Deus, por sua graça, procuram dar lugar à bondade emprestada por Deus.
Ao mencionar a profecia sobre o choro de Raquel, Deus não
estava falando da inexorabilidade do mal, mas, do descaso para com os avisos de
Deus.
Deus enviara os magos para despertar Israel, e toda a
Jerusalém o soube, e se alvoroçou (Mt 2.3), mas, nada fez, e deixou o Cristo e os demais
infantes à deriva da maldade, pondo em risco a história da redenção. Ecoou a
fala de Deus à Isaías (Is 53.1): “Quem creu em nossa pregação?”
Provavelmente, a Jerusalém, alvoroçada, tenha sido dissuadida pelos
líderes vaidosos, que não admitiam que Deus falasse, senão por eles. E os homens bons deram ouvidos aos homens maus.
Deus, então, salvou o Cristo e a história da salvação.