Ariovaldo Ramos
A primeira
igreja nasceu em meio à pobreza, e a enfrentou, deixando lições preciosas.
Começaram reagindo à mesma, não sendo tolerante para com a realidade em que os
pobres estavam imersos. Responderam com solidariedade, onde os irmãos, como
podiam, desfaziam-se voluntariamente de posses para ajudar os demais, segundo a
necessidade dos mesmos. Depreende-se um padrão mínimo que, rebaixado, acionava
o socorro. E o padrão de socorro não era determinado pelas posses dos doadores,
sim pela necessidade dos beneficiários, o que indica que a ação era tomada a
partir do conceito do direito, o irmão necessitado tinha o direito de ser
atendido em sua carência, cabia a comunidade a satisfação do mesmo.
Claro que,
como Paulo procura deixar claro em sua segunda carta aos tessalonicenses: “Quem
não quiser trabalhar também não coma” - 2Tes 3.10; isto é, todas as
alternativas possíveis deveriam ser tentadas, porém, sem detrimento ao direito
do irmão. Inclusive, porque o irmão que se recusava a trabalhar, recusava-se a
participar da lógica comunitária, onde todos para todos trabalham. Essa postura
era tanto entre irmãos, quanto entre comunidades, como no caso em que todas as
comunidades se uniram para socorrer a comunidade em Jerusalém.
Num outro momento, percebe-se o desenvolvimento de um programa para o sustento da viúvas,
uma espécie de programa previdenciário da Igreja, assumindo a responsabilidade por aquelas que não
tinham mais acesso ao trabalho remunerante.
Programa levado tão a sério, que uma categoria nova de oficiais foi
acrescentada à Igreja.
Estes, os diáconos, assumiram o ministério de seguridade social da comunidade.
E
é preciso que se diga que essa foi uma decisão revolucionária, porque eles
foram movidos pelo reconhecimento do direito das mulheres, numa época em que
ninguém emprestaria valor a essa causa.
Desse
enfrentamento da pobreza surgiram conceitos de intensa pedagogia: “Aquele que
furtava, não furte mais, antes trabalhe para ter com que acudir ao necessitado”
Ef 4.28, Aqui, a vitória sobre o pecado do furto é passar a contribuir com o necessitado.
De lesa-patrimônio a sustentáculo dos despossuídos de patrimônio, e não a
construtor de seu próprio patrimônio. Dá até para pensar que, para o apóstolo,
o ato da acumulação se assemelha de alguma maneira ao furto.
Há, também, nessa
colocação, a sugestão de uma ética do trabalho: a solidariedade - trabalha-se,
também, por responsabilidade para com outro; o que amplia a dimensão da frase
paulina: “A ninguém fiqueis devendo coisa alguma...” Há um assumido débito para
com o necessitado.
“Porque não é
para que os outros tenham alívio, e vós, sobrecarga; mas para que haja
igualdade, suprindo a vossa abundancia, no presente, a falta daqueles, de modo
que a abundancia daqueles venha a suprir a vossa falta, e, assim, haja
igualdade, como está escrito: O que muito colheu não teve demais; e o que
pouco, não teve falta.” 2Co 8.13-15 Como estas palavras foram ditas no contexto
da coleta para a Igreja em Jerusalém, surge a possibilidade da leitura dum
apontamento na direção duma universalização do trabalho solidário, algo semelhante
ao conceito de revolução permanente, capaz de gerar um conceito de acordo
internacional pela erradicação da pobreza, pela busca da igualdade entre as nações, pela partilha, onde os superavitários se responsabilizam pelos deficitários; o
que ocorre numa perspectiva de acesso universal ao trabalho e num consenso de
que todos trabalham por todos, pois a humanidade é o foco. Em sendo assim, a fé
cristã tem uma proposta de revolução quanto ao propósito da economia e quanto ao parâmetro
para a geopolítica internacional.
“E vós,
irmãos, não vos canseis de fazer o bem” 2Tes 3.13. Este estímulo, dito no
contexto da tentativa de alguns de se aproveitarem da bondade da comunidade,
desafia a toda a Igreja a estabelecer esses valores como inegociáveis, a
despeito de quaisquer tentativas de abuso. “Bem”, portanto, pode ser entendido
como esse conjunto de valores que configura uma ética do trabalho para o
combate à pobreza.
“Como está
escrito na lei de Moisés: ‘Não atarás a boca ao boi que debulha o trigo’.” 1Cor
9.9. “O lavrador que trabalha deve ser o primeiro a participar dos frutos” 2Tim
2.6. Onde a ética dos apóstolos coloca o trabalhador? Como o primeiro e privilegiado
beneficiário de seu trabalho; a exemplo do boi, que não pode ser impedido de
ser o primeiro a desfrutar de sua produção. Até porque, como o trabalho é para
a solidariedade voluntária, o trabalhador para poder exercer essa partilha, tem
de ter o que partilhar, tem de ser senhor de seu trabalho. Aqui, mais do que um
princípio ético, há um postulado econômico: O trabalhador tem de ser o primeiro
a desfrutar do resultado de seu trabalho. O desenvolvimento deste primado há de
redefinir a administração dos meios de produção e do lucro. A primeira Igreja
na sua intolerância para com o estado de pobreza, propôs abordagens desafiadoras,
pertinentes e que mantêm atualidade.