Ariovaldo Ramos
“E, perseverando
unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam com alegria
e singeleza de coracao” At 2.46
Ele era um nobre romano fiel ao imperador, orgulhoso do
império. Há alguns dias ele não estava bem. A vida estava um emaranhado que
parecia pior que o nó górdio. Ele não descansava, não dormia mais, não sabia
mais o que era paz. Já havia oferecido sacrifício a todos os deuses que
conhecia... e nada se resolvera, a vida não saia do lugar. O pior era angústia.
Um de seus muitos escravos se aproximou dele, com muito
cuidado, e lhe perguntou se poderia interceder por ele junto ao seu Deus. O
cônsul, acostumado a um mundo de deuses, perguntou a que Deus o escravo se
referia e que tipo de holocausto teria de ser prestado. E foi surpreendido pela
resposta de que o holocausto era o próprio Deus, portanto, nada custaria, e que
o nome do Deus, era Jesus. E, mais, que Jesus era a encarnação do único Deus do
Mundo.
O nobre achou a resposta, em extremo, petulante, mas, pensou:
Pior do que está não pode ficar. Então,
concordou com a oração. Outra surpresa! A oração, simples e direta, foi
realizada ali mesmo, no recinto, sem necessidade de qualquer sacerdote, pelo
escravo mesmo, que ousou impor as mãos sobre o seu proprietário.
Como ele havia autorizado, controlou a indignação, e se
retirou arrependido de ter permitido tal insânia. Como já era noite, dirigiu-se
para o seu quarto, para mais uma tentativa, que ele sabia inglória, de dormir.
Há muito ele não sabia o que era dormir.
A noite passou rápida, muito mais rápida do que de costume,
e ele só se deu conta quando um de seus escravos entrou no quarto, abriu as
cortinas e lhe anunciou o dia. Sim, ele
dormira como nunca, como não sabia mais
ser possível!
Imediatamente, mandou chamar ao escravo que orara por ele.
Tão logo entra o homem, ele corre para agradecer, perguntando como poderia
pagar àquele Deus por tão grande graça. O escravo reitera que nada custava,
mas, ele poderia participar da reunião que seria feita naquela noite, em louvor
ao Deus Jesus.
O nobre recuou, disse que iria pensar, e dispensou o
escravo.
Passou o dia a pensar, já tinha ouvido falar dessa nova
seita, vinda da Judéia, que dizia que o Deus invisível dos Judeus se fez
visível, porque se encarnou, que foi morto pelo império romano, mas, que
segundo os seus seguidores, tinha ressurgido três dias depois de sua
crucificação.
Sabia que tal seita não gozava da simpatia do império, por
insistir na adoração a um Deus só. É verdade que os judeus já o faziam, mas, os
judeus mantinham a coisa entre eles, e com tantas exigências, que as conversões
não incomodavam, mas esses tinham um caráter universal e, de certa forma, eram
um tipo diferente de revolucionários.
Ele não podia negar, entretanto, que dormira, depois de muito tempo, e, mais,
estava se sentindo como nunca se sentira, como se houvesse tocado, ou sido
tocado por algo, ou alguém acima e além. Decidiu que o mínimo que poderia fazer
era agradecer.
O ambiente da reunião era indescritível, todos sorrindo,
cantando, saudando-se, todos escravos, seus escravos, aliás, ele se deu conta
de que todos os seus escravos estavam ali. Naquela noite, recebiam uma visita.
Um judeu que havia andado com Jesus. Esse homem simples, sem pompa, com um
sorriso cheio de felicidade, contou o que significara andar com Jesus e como
Jesus andou.
Ele não sabia explicar, mas, no fim daquela explanação, tudo
o que ele queria era, também, andar com Jesus. Quase simultâneo ao seu
pensamento, o judeu disse que era possível andar com Jesus, porque, graças à
ressurreição ele estava vivo e disposto andar com todos os seres humanos.
Ele pensou: Ah! Como eu gostaria! Mas, ele não vai me
aceitar... eu sei como eu sou! De fato, naquele momento, sabia de si como
jamais o soubera antes.
O Judeu, que parecia ler o seu pensamento disse: Talvez você
esteja pensando que Jesus jamais andaria com alguém como você, você está
enganado, Jesus recebe a todos e, por causa de seu ato santificador na cruz,
todos fomos perdoados, e como fruto de sua vitória, pela ressurreição, o
Espírito Santo vem morar em nós e nos transforma em gente como Jesus.
Ele não conseguiu se manter sentado, num salto gritou: Eu
quero! E, antes de que se desse conta, ele estava de joelhos, o Judeu, assim
como alguns de seus escravos puseram a mão sobre a sua cabeça e alguém o
abraçou.
Agora, de pé, ele não conseguia olhar para as pessoas que
adquirira, como antes, ele nem conseguia mais se ver como seu. Ele sabia que
aquelas pessoas eram suas irmãs, como ele os ouvira saudarem-se. E foi
informado que os seus escravos, que colocaram as mãos sobre ele, eram os
presbíteros daquela comunidade, que eles chamavam de a Igreja. E ele se juntou a eles pelo batismo.
Tudo estava diferente, eles comiam juntos, a fazenda era
tocada como propriedade coletiva, a dignidade de todos foi reconhecida, não
havia senhor e escravos, havia apenas irmãos. Todos moravam juntos com
qualidade semelhante de vida. Ali, o Império Romano tinha acabado!
Um dia, na hora do almoço, o irmão, que não se via mais como
nobre, recebeu a visita do cônsul com quem participara de algumas batalhas pelo
império. O cônsul o surpreendeu à mesa com todos os que deveriam ser seus
escravos, eram todos iguais e igualmente alegres e festivos. Uma alegria que o
cônsul jamais imaginou que pudesse existir.
Num misto de surpresa e indignação o cônsul perguntou ao
antigo companheiro de armas: O que está acontecendo aqui? Calmo, como o colega
nunca o conhecera, o agora, mais um irmão em Cristo, respondeu: A Igreja, o que
está acontecendo aqui é a Igreja.